Moro num condomínio de luxo.
Ou não é luxo ter beija-flores, todos os dias, invadindo o espaço de minha varanda para beber água?
Já tive a pretensão de fotografá-los, mas nem minhas mãos nem o disparo do click jamais conseguiram ser tão ágeis quanto eles.
Talvez o problema não seja realmente o modo acelerado como surgem e se vão e sim o número insuficiente de minhas tentativas para eternizá-los. A verdade é que freqüento muito pouco minha varanda. E nisso, não há nenhum luxo…
Já são seis anos vivendo neste endereço e posso contar nos dedos as vezes em que permaneci mais de cinco minutos lá. E por quê?

Ao olhar pra trás, vejo que 80% do meu tempo se transformou em palavras. E para dar à luz a elas permaneço em média dez horas por dia, em trabalho de parto, no escritório minúsculo de paredes lilases. Uma tentativa alucinada de trazer ao mundo um sem-número de beija-flores semânticos e sintáticos. Palavras voadoras que por vezes fugiram arredias só porque parei para tomar água, comer, olhar para o lado… Quantas vezes não deixo o escritório tarde da noite e, quando já estou deitada, novas palavras-beija-flores passam voando em velocidade acelerada, tornando impossível que eu as alcance com instrumentos primitivos como o lápis e o bloco de anotações que mantenho em meu criado-mudo…

Palavras são meu único vício. E quando as uso como metáfora para beija-flores é porque, no fundo, sei que estou mais uma vez trocando o real pelo imaginário. Minha varanda é palpável. Está lá. Mas, por algum motivo, ao invés de aproveitá-la um pouco mais, cá estou eu, escrevendo sobre ela no mesmo escritório pequeno, apesar da suavidade lilás das paredes.

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E lilás também é a cor da camiseta de passarinhos que encomendei da minha amiga Cássia logo que a vi no blog Sobre meus amores… Usando uma arte diferente, Cássia também luta para captar pássaros – só que os dela se transformam em lindas produções têxteis… Então, achei por bem interromper um pouco o texto e ir, uma vez mais, até a varanda, empolgada para unir passarinhos reais, passarinhos-têxteis e passarinhos-texto. Desses que luto para deixar voando por sobre linhas e páginas como essas.

E em homenagem aos passarinhos e às palavras, segue uma das músicas que mais amo no mundo – numa interpretação linda da deusa Badi Assad.

Goimar Dantas
São Paulo
17-10-08