Fui atropelada por uma história. Não quebrei nada, mas fiquei com os movimentos bastante comprometidos. Tornei-me desprovida de flexibilidade para realizar qualquer outra coisa que não seja transformá-la em palavras. Não sinto dores atrozes, mas existe, sim, muito desconforto. É como se estivesse traindo a história anterior, a mesma com a qual já estou oficialmente casada há quase três anos. Fico aqui tentando dar conta das duas, cruzando agendas, inventando desculpas para a história oficial – que vive cobrando minha presença, dedicação, afeto, comprometimento, entrega. Mas a nova narrativa é tão sedutora… Tão cheia de vida, de charme, de possibilidades. Impossível resistir.
Na verdade, estou convencida de que amo as duas. No caso da titular (aquela cujo contrato de publicação já está assinado), lembro com amor imenso de cada detalhe de nossa relação: a redação do projeto, a procura por editora, o longo período de pesquisas – que parece nunca se esgotar –, os fichamentos, as dezenas de entrevistas feitas, as horas intermináveis de transcrição, as fotografias, os lugares visitados e, finalmente, a redação dos primeiros textos. Penso nela em demasia, quero voltar aos seus braços o quanto antes, mas o poder de atração da nova história é tão impressionante que simplesmente não consigo deixá-la, mesmo sabendo que é pura incerteza, tiro no escuro, frio na barriga… Investimento numa relação sobre a qual ainda não existe nenhuma garantia de futuro.
O fato é que não me resta alternativa a não ser vivenciar esse amor simultâneo por duas histórias completamente díspares com aquela frase clássica do personagem cafajeste interpretado por John Malkovich no filme Ligações Perigosas: “It’s beyond to my control”.
Mas já que pareço perdida, aproveito a encruzilhada para refletir: além do estresse diário, qual a pena para um escritor/escritora que se relaciona de maneira descarada com duas (ou mais!!) histórias ao mesmo tempo? Seria a loucura? O medo constante de não concluir nem uma história nem outra? O pavor de criar dois textos capengas? E já que toquei no assunto… Não seria a própria “pena” o destino de todo escritor?
Pois é. Que atire a primeira pena quem nunca cobiçou a história sedutora que passa ao lado, jogando charme.