Esses dias eu estou um porre.
Racional demais
e lírica de menos.
Pior é que não bebo
e não posso sequer contar com “aquele conhaque”
pra botar “a gente comovido como o diabo”.
E a lua que precede o conhaque?
Está escondida:
branca, pálida e bandida,
em algum lugar de Pasárgada.
E onde é Pasárgada?
Ainda não sei,
apesar de passar a vida procurando.
Noite dessas apelei
e rezei pro meu anjo da
guarda:
“Santo Anjo do Senhor,
meu zeloso guardador…
Onde está a poesia
que saiu e não voltou?”
Ah… Quero
uma Quintana
de coisas e não consigo!
Ando desiludida
e nem os textos da pessoa do Pessoa
têm conseguido me animar.
Já tentei hastear o Bandeira
no meio peito, mas tudo está
tão Baudelaire…
Tão meio mastro…
Aquela resposta?
Não vem.
Aquela carta?
Não chega.
Aquele e-mail?
Voltou…
Aquele prazo?
Esgotou.
Eu quero a minha
mãe! (Mas ela saiu
pra jogar vôlei com
o pessoal da terceira idade…)
Eu quero o meu pai,
mas ele já não vive mais.
Eu quero a minha irmã,
mas por não ter senso de direção,
ela não acerta o caminho daqui, não!
Eu quero o meu amor,
mas ele entrou numa reunião
que, pra variar, ainda não terminou.
Eu quero me concentrar
e escrever,
mas existe o telefone,
a energia (bagunça!) inesgotável das crianças,
a construção do prédio ao lado,
a gritaria do condomínio
na final do futebol.
Eu quero viajar,
mas isso ainda vai ter de esperar.
Eu quero voar,
mas Ícaro me aconselhou
a não tentar.
Eu quero encontrar o Mar,
mas forças ocultas
me impedem de ir pra lá
(seja para criar,
pra viver um sonho,
pra passear
ou tomar suco de cajá).
Eu quero estar
e também quero ir.
Então, se alguém por mim perguntar,
invoque um dos sambas mais líricos
que há e, mesmo sabendo que ainda estou aqui,
“diz que eu fui por aí.”
Goimar Dantas
São Paulo
15-04-09
Imagem: “O grito”, Edvard Munch, 1893.
E pra completar o desabafo, outro samba-poema: