Escrever uma autobiografia antes dos 50 anos é um feito considerável. Raras são as pessoas com potencial e, principalmente, histórias de peso para justificar uma aventura dessa envergadura… Contar as tramas do enredo da própria vida, expondo detalhes muitas vezes dolorosos, equívocos, culpas e medos exige doses cavalares de coragem. E é justamente a junção de tudo isso – potencial, histórias de peso e coragem – que compõe a personalidade de Ayaan Hirsi Ali, uma das mulheres mais importantes do mundo contemporâneo, autora da biografia Infiel – A história de uma mulher que desafiou o Islã, publicada em 2007, pela Companhia das Letras, em tradução de Luiz A. de Araújo.
No livro de 496 páginas, Ayaan expõe as barbaridades sofridas, cotidianamente, por milhares de mulheres islâmicas, sempre em nome da religião criada por Maomé. Nascida em Mogadíscio, capital da Somália, em 1969, Ayaan vivenciou a dor de ter o clitóris extirpado, aos cinco anos de idade – tradição comum a diversas tribos somalianas que professam a crença maometana. Mais tarde, na adolescência, a autora sofreu traumatismo craniano quando foi violentamente empurrada, contra a parede, pelo seu professor de Alcorão. Tudo porque ousou questionar seus métodos arcaicos de ensino.
Em 1992, Ayaan fugiu do país. Única maneira de escapar ao casamento imposto por sua família. Exilou-se na Holanda, onde trabalhou em fábricas e, após aprender o idioma, estabeleceu-se como tradutora da ONU. Com sede insaciável por conhecimento, enfrentou numerosas dificuldades, mas conseguiu seu objetivo de cursar, naquele país, uma das universidades de maior prestígio. Após 10 anos na Holanda, terminou sendo eleita deputada, tomando posse em janeiro de 2003.
Para além do trabalho no parlamento, escreveu o roteiro do curta-metragem Submission, contendo duras críticas à situação das mulheres islâmicas. A polêmica em torno do filme rendeu à Ayaan inúmeros dramas pessoais, dentre eles, a morte do diretor Theo Van Gogh, brutalmente assassinado por radicais islâmicos, numa rua de Amsterdã. No peito do cineasta, a polícia encontrou, presa a uma faca, uma carta endereçada à Ayaan. Ameaçada de morte, foi obrigada a abandonar a Europa e vive atualmente nos EUA. Em 2005, foi eleita pela revista Time como uma das cem pessoas mais influentes do mundo.
Recomendar a leitura de Infiel é o mínimo que se pode fazer. Trata-se de uma obra de peso capaz de mesclar questões importantíssimas da época em que vivemos. A situação da mulher no mundo islâmico, os conflitos entre Oriente e Ocidente, religiosidade, ateísmo, guerras, violência, crueldade e superação de limites estão presentes nesta biografia que se confunde, positivamente, com um livro de história. Um relato verdadeiramente impressionante.
O You Tube disponibiliza o vídeo Submission, com cerca de 10 minutos de duração, em inglês. Também é possível encontrar na rede, no mesmo idioma, várias entrevistas concedidas por Ayaan. Para postar aqui, tentei encontrar uma entrevista que ela concedeu ao jornalista Lucas Mendes, ano passado, para a Globonews, com legendas em português, mas não obtive sucesso… Por isso, vai em inglês mesmo…