“Um dia, um primo distante sentou na cadeira de balanço, me pegou no colo. Papai também, quando vinha, me punha no colo, cantava a Marselhesa. Mas o primo disse, afagando meus cabelos:
– Alarico é um homem muito acima de tudo. Creio que ele é um anarquista.
Havia em sua voz admiração e um pouco de susto. E eu comecei a pensar que ser anarquista era ser alto, magro, terno, ter uma voz grave que além da Marselhesa cantava-me La Valse Brune.
Certa feita, Jamil Almansur Haddad me disse que eu acreditava no poder mágico das palavras. Creio que é certo. Vivia as palavras. Minha identidade era-me dada com palavras. E o que mais me encantava era ser vária, posto que cada pessoa me contava a mim mesma de modo diferente, com palavras que me faziam, me construíam”.
Neste Dia da Poesia, compartilho esse trecho de prosa poética que li dia desses no livro Paisagem e Memória, de Helena Silveira (Editora Paz e Terra/Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura do Município de São Paulo, 1983). A obra é mais uma deliciosa descoberta garimpada para as pesquisas do meu livro Rotas Literárias de São Paulo. Se desejar saber um pouco mais sobre Helena Silveira, é só clicar aqui.