Tenho verdadeira compulsão por compartilhar coisas as quais considero essenciais: textos, imagens, dicas de leitura e de filmes. Por isso, em dezembro de 2009 inseri aqui no blog um post em que contava de minha alegria em descobrir a escrita arrebatadora da escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís, mais especificamente em sua obra Antes do Degelo.

Demorei quase um mês para concluir as 366 páginas do livro. Primeiro porque leio devagar, sorvendo as linhas e entrelinhas como se néctar fossem. Depois, porque estava em meio a um intenso ritmo de trabalho e, realmente, me restava pouco tempo para aproveitar a leitura como se deve: aos poucos, sentindo aroma, sabor, textura e outras sensações que nos permitem ir ao âmago dos personagens, como se de fato, vivêssemos e sentíssemos cada uma de suas experiências.

E só agora, três meses depois, consegui uma folguinha para reproduzir, neste espaço, algumas das frases de que mais gostei na obra de Agustina. Como sempre, grifei-as durante a leitura.

Espero que vocês as recebam como uma espécie de presente nesta semana em que o blog ultrapassou os 400 posts (e o que são posts, senão meu jeito de compartilhar um pouco de mim com vocês, desde 2006?).

Aí vão as pérolas deixadas no mar de Antes do Degelo, de Agustina Bessa-Luís, Guimarães Editores, Lisboa, 2004.

1. Eu sempre tive um fraco pelos mestiços. Trazem no sangue um segredo inviolável de tremendas combinações de desejos mal saciados.

2. Em geral donzelas de livros lavam no rio mas não estendem a roupa que lavam. É um erro porque os braços levantados fazem realçar a cintura, e levantam a saia, e produzem mais ilusões para que o amor desabroche.

3. Quando não houver mais esse gosto das coisas inabordáveis e trágicas, não haverá romance, nem literatura, nem nada.

4. Nós só nos conhecemos como homens quando começamos a ser feitos de palavras.

5. Sem escândalo nem temor não se fazem reinos.

6. Ele divertia muito José Rui; passamos bem sem quem nos ama, mas não sem quem nos diverte.

7. Não me falta nada do que preciso. Do que eu quero falta-me muita coisa.

8. Essas relações de juventude, em que não há segredo nem decoro, têm um caráter de saturnais que se não repetem e que são destinadas ao esquecimento.

9. A eloqüência tem que ver com a imagem dum afogamento. Não percebes nada da cultura mediterrânea. Vive da persuasão, não da justiça. O sinal da cruz, por exemplo, cura tanta gente como os antibióticos. O gesto é tudo.

10. Eram inseparáveis, uma dessas amizades que costumam acabar mal porque se esgota a dependência que se criou.

11. Alguma coisa no amigo lhe fazia medo; um medo estimulante, quase agradável, como o percurso de um vício.

12. Na sua imensa sabedoria (tinha uma intuição feminina que raramente o enganava) percebia que as palavras que se evitam são as que nos salvam.

13. (…) ela levantava-se às onze horas, muito por favor, e lia até tarde no quarto, cada vez mais instruída, erudita e com pouca disposição para os tolos.

14. Era meio filósofo, que é no que se tornam os infelizes que se ignoram.

15. Há sempre uma árvore particular nas memórias de uma pessoa triste.

16. Tinha-se a ideia de que a poesia é qualquer coisa que se dispensa e até prejudica. É uma espécie de habilidade, um jogo servido pelas palavras.

17. Era uma coisa tão bonita que nem precisava ser vivida, bastava ser recordada.

18. O crime não interessa, o que interessa é a culpa.