Beth Carvalho era uma das cantoras preferidas do meu pai. E ele adorava essa música.
Não me lembro de nenhum Dia dos Pais durante a minha infância. Em casa nunca teve essa coisa de datas. Não mesmo. Dia das Crianças? Só soube que existia a partir dos 11 ou 12 anos, quando a televisão apresentava uma avalanche de comerciais de brinquedos e uma programação de desenhos e filmes especiais para a ocasião. Lembro de que a primeira vez que me dei conta disso, movida por tanto apelo publicitário, fui até a cozinha e pedi a minha mãe um presente porque, afinal de contas, eu vira na TV que aquele era o “Dia das Crianças”. Ela fingiu profundo desdém em relação à data e disse que nós não tínhamos dinheiro para essas coisas. Eu, então, respondi com um sincero “Tá bom”, dei as costas e corri para brincar no quintal.
Simples assim: não fiquei remoendo aquilo, não fiquei triste, não me senti a última das criaturas. Trauma era coisa de gente rica. Eu tinha tanta árvore pra subir, tanto pega-pega, queimada, esconde-esconde, corda pra pular… A vida seguia sendo uma festa e não havia Washington Olivetto ou Nizan Guanaes capaz de derrubar por terra esse conceito.
Mas a despeito desse “nem te ligo” pras datas, lembro de que durante uns três anos, no Dia das Mães, eu a presenteava com uns cadernos de receitas que a gente confeccionava na escola. Coisa de quinta, sexta, sétima série… Eu era péssima para atividades manuais. Só conseguia concluir os tais cadernos – sempre encapados com tecidos, aplicações de ilustrações, colagens de revistas e desenhos – com ajuda da professora ou das amigas mais prendadas.
Ano após ano, o suplício se repetia. Até porque criatividade era uma palavra completamente desconhecida para minhas professoras de (Des)Educação Artística. Pior é que minha mãe nunca gostou de cozinhar. Só ia para o fogão porque não tinha mesmo outro jeito, coitada. Mas ela recebia os tais cadernos com uma cara ótima, agradecendo e dizendo que eram bonitos. Ela os tem até hoje, com várias receitas que as mesmas professoras ditavam aos alunos, de modo que os presentes “originais” já chegassem às mães com quatro ou cinco textos explicativos de como preparar guloseimas. Não me lembro de ela ter feito nenhuma delas nessas duas décadas – também nunca cobrei porque sempre entendi que isso seria pedir demais.
Voltando ao Dia dos Pais… Perdi o meu há mais de vinte anos e não sou de ficar jururu no segundo domingo de agosto. Por que ficaria, afinal? Na verdade, vivo o Dia dos Pais diariamente. Estou sempre me lembrando dele, conjecturando a respeito de tudo o que poderia ter sido e que não foi: histórias que não vivemos, brigas que não tivemos e os presentes que eu lhe daria quando adulta, em qualquer data.
São sentimentos, saudades e construções de memórias constantes. E ainda continua não havendo Olivetto ou Guanaes hábeis o suficiente para reduzir essas lembranças e desejos a um único dia do ano. Eles e outros tantos até tentam, mas eu prossigo dando as costas, dizendo “tá bom…” E, quando vejo, já estou me presenteando com a recordação de eu-menina correndo de cabelo solto, brincando no quintal com a molecada e, por vezes, só voltando pra casa quando o pai, com uma braveza ensaiada em anos de cabra-macho do sertão, me colocava pra dentro.
É mesmo simples assim: não há presente que supere uma boa memória.