Na venda do seu Ivo
Não se via a uva
Porque não há uva na seca do sertão

Na venda do seu Ivo
Que era feita de magia
Tudo o que a gente via eram doces em profusão

Na venda do seu Ivo
O planeta era um baleiro
Que girava e enfeitiçava, com graça, o sertão inteiro

Na venda do velho Ivo
Os sonhos eram de açúcar
E bastava uma moeda pra vida, logo, adoçar

Na venda do velho Ivo…
Mistério solto no ar!
Toda a alegria da infância parecia morar lá!

Na venda do velho Ivo
Um aroma fenomenal – que ainda hoje me segue, enternece, contagia…
Deixando a memória doce, como as balas que vendia

Era bom ver o seu Ivo
Com seu chapéu Panamá
Muito alto, muito magro, perguntando: “O que vai levar”?

Eu eu só levava mesmo
Um doce de amendoim
Ou então um geladinho – que lá se chama Dim-dim

Mas houve um dia bem triste
Em que não havia um cruzeiro
O maior valor do mundo – pra menina sem dinheiro

Então, corri para casa
E fui pedir ao meu pai
Que com os olhos rasos d’água, disse: “Filha, não tenho mais…”

Depois disso, meu bom pai
Decidiu fugir de novo
Daquela seca bem brava – que sempre maltrata o povo

E foi assim que a venda azul
Do alto e magro “seu” Ivo
Mudou toda a nossa vida, bastaram simples motivos:

Não ter dinheiro pro doce de amendoim da criança
Não ter mais perspectiva,
Não ter nenhuma saída – a não ser vir pra São Paulo, tentar uma outra vida

Eu posso viver cem anos, mas não me sai da lembrança
Nem a venda do seu Ivo – nem meu pai sem esperança
De viver na sua terra, provendo a sua criança

Mas não há ressentimento, não há raiva nem tristeza
Seu Ivo não teve culpa pela terra sempre seca
Tudo hoje é nostalgia, lembrança, recordação

Tanto a venda do seu Ivo, quanto os olhos do meu pai
dividem o mesmo espaço dentro do meu coração,
que é grande o suficiente pra guardar todo o sertão.

Goimar Dantas
São Paulo
09-04-08