Hoje sei que “O último romântico” não é Lulu Santos. O título deveria ser dado, na minha opinião, a Waldick Soriano, que, a partir de agora, se apresentará em outras paradas. Waldick deu adeus a essa terra de raves, bate estacas de músicas eletrônicas e axés. De certo também não estava mais suportando o fato de as pessoas recusarem o “brega” nacional em detrimento do “brega” importado, repleto de melodias estilo “dor de corno” entoadas na língua do Tio Sam. Ninguém entende nada do que está sendo dito, mas pouco importa. O que vale parece ser a melodia, que catapulta a breguice norte-americana aos primeiros lugares nas paradas de sucesso. Pobre Waldick… Quem mandou querer sofrer em português?
Não fosse Patrícia Pillar ter feito o documentário Waldick – Sempre no meu coração (2007), o ícone baiano da paixão arrasa quarteirão teria morrido ainda mais esquecido. Tinha fãs, é claro, mas nada próximo do que já tivera em tempos mais rodrigueanos. A verdade é que, atualmente, confessar que se está sofrendo por amor é uma espécie de mico-leão-dourado. Algo em completa extinção, totalmente fora de cogitação. Ok, as pessoas ainda sofrem, mas é coisa rápida. Rapidíssima. Nada que um Carnaval em Salvador ou um final de semana na praia, com os amigos, não cure, não resolva, não enterre. E, mesmo assim, quem ainda ousa chorar mordendo o travesseiro – mesmo que apenas por pouquíssimos dias – não é doido de divulgar. Pega mal. Muito mal.
Em tempos de competição acirrada no mercado de trabalho, não há espaço na agenda para essas amenidades do coração. Com meta pra bater todo dia, quem ousará ficar com a cabeça na lua, pensando no ser amado? Quem ousará mandar flores? Quem ainda é doido de telefonar três vezes ao dia só para ouvir a voz do outro? Depois dos 25, o mercado mata qualquer amor antes de duas semanas. A pessoa até se apaixona, mas… Ao perceber que está perdendo o bônus de produtividade para o colega ao lado trata logo de recuperar o foco e a concentração e aí… Bem, adeus, romantismo.
Já os adolescentes, que ainda não têm o mercado no seu encalço, arranjaram outras metas pra bater. Ser traído, trocado ou rejeitado não pode ser mais um problema porque, afinal de contas, a tal da “fila tem de andar”… Gente… Que chance teria a alma de “tango argentino” de Soriano num país – ou seria num mundo? – onde as pessoas não se prestam à dignidade de sofrer por amor nem dois dias? Nenhuma, certamente. Por tudo isso, ninguém tira da minha cabeça que Nelson Rodrigues, autor da célebre frase “Amar é ser fiel a que nos trai” irá recepcionar Waldick hoje, no céu dos últimos românticos…
Waldick era também um clássico do estilo. Aquelas roupas, aqueles óculos tipo besouro (que ele usava muito antes de todo mundo achar “in”), o chapéu preto, o ar blasé… Aquela figura sempre me intrigou, desde criança. Conheci Waldick muito cedo. Meu pai adorava o cantor e, quando tomava umas e outras, chegava em casa trocando os passos, mas com habilidade suficiente para lançar um olhar meloso para minha mãe, colocar o disco do Waldick na velha vitrola e aumentar o volume até o talo, estourando os tímpanos de toda a vizinhança. Aos oito anos de idade, eu morria de vergonha. Ainda não sabia o que era sofrer por amor… Poucos anos depois, aos 14, quando já vivia uma daquelas paixões avassaladoras, era eu quem tratava de estourar os tímpanos da vizinhança, só que com outro disco: “O último romântico”, de Lulu Santos.
E como falar de Waldick sem trilha sonora é heresia, deixo aqui uma mostra irrefutável da breguice deliciosa – e exageradíssima – que tanto caracterizava o senhor Soriano.