Querido pai,
Hoje você faria aniversário, caso ainda estivesse aqui com a gente… E lá se vão 22 anos sem poder ao menos ligar pra você e dizer: “- Alô, pai?! Tudo bem? Feliz aniversário!! Tá ficando velho, hein?”
Um texto simples, coloquial, plausível… Mas, para mim, sempre tão impossível… Mais de duas décadas de impossibilidades, ausências, vazios. Engraçado como sempre me comoveu essa situação específica de não poder sequer telefonar pra você. É estranho admitir, mas isso sempre me tocou de maneira muito mais forte do que a carga costumeiramente pesada que envolve o próprio “Dia dos Pais”. Não sei explicar o porquê. O fato é que, ao longo dos anos, quando volta e meia escutava algum amigo falando com o pai ao telefone era aquele baque… Imediatamente vinha uma vontade imensa de chorar… Era como se esse simples evento na vida da outra pessoa simbolizasse todo o rol de acontecimentos que eu havia perdido em relação a você.
Então, em uma fração de segundos, minha memória trazia à tona milhares de outras inviabilidades acarretas pela sua perda: as formaturas que você nunca assistiu, os namorados com os quais nunca implicou, as minhas poesias, textos e livros os quais você nunca leu nem tampouco criticou ou elogiou… Meus filhos – e isso é o pior de tudo – que você nunca conheceu… Os dramas, as alegrias, meu trabalho, minhas escolhas, acertos, equívocos… As discussões que nunca tivemos sobre horários, comportamento, roupas, festas e outras questões adolescentes e juvenis… Mas a verdade é que minha memória do que não vivemos sempre foi repleta de lembranças imaginadas, criadas, produzidas pela imensa vontade de que tivessem realmente existido…
Ah, pai… Eu daria qualquer coisa para travar um diálogo de dois minutos com você.
Mas, o que eu diria? Bem, acho que eu perguntaria se você consegue ver a mim, minha irmã e minha mãe todos os dias, daí de onde você está. Perguntaria se consegue acompanhar o crescimento dos seus netos. Questionaria se consegue sentir quando estamos alegres ou tristes… Afinal, será que escuta quando, à noite, eu peço para você iluminar meus caminhos? E como é o lugar onde você está? É no mesmo lugar onde estão meus avós? Você pode ficar junto deles o tempo todo? O que você mais gosta em mim? E do que menos gosta? Sabe que minhas frutas preferidas são jabuticaba e pinha e as do Yuri também? O que acha dos olhos de índia da Tatá? O que pensou do modo como ela chegou em nossas vidas, arrebatando nossos corações sem avisar? Você escuta quando o Yuri toca bateria? Escutava quando a Verônica tentava tocar violino só pra agradar minha irmã? O que achou das poesias que escrevi para você? E qual delas prefere: “A linha do trem”ou“Personalíssimo”? O que achou de eu ter encontrado, aos 15 anos, exatamente um ano após ter perdido você, um menino que traz o seu nome no sobrenome dele, cujo signo é o mesmo que o seu e cujo jeito um tanto autoritário esconde um coração de manteiga derretida – exatamente como o seu? E como viu o fato de eu ter escolhido esse menino para viver ao meu lado para sempre? Acha que Freud explica ou complica tudo isso?
Querido pai, pensando melhor… Acho que eu precisaria de bem mais do que dois minutos para falar com você… Mas, ainda assim, juro que daria tudo o que tenho nem que fosse só pra ouvir você dizer: “- Alô? Filha? Sim… Estou aqui…”
Pai, encerro essa carta com um cena verdadeiramente especial pra mim porque simboliza tudo o que tenho sido nos últimos 22 anos sem você: uma eterna criança que pula, dança, salta e se desdobra… Só pra agradar ao pai…