Eu não consegui ver toda minissérie, infelizmente. Perdi dois capítulos. Mas o que vi foi suficiente pra me sentir tomada por uma atmosfera onírica, encantadora. Luiz Fernando Carvalho e sua equipe tiveram a coragem de mesclar um clássico machadiano com o pop, com linguagens variadas que iam do vídeoclip à ópera. E isso já é digno de respeito.
Na arte, ousadia é um componente importante. E é preciso ir além, transcender, não se deixar engessar por fórmulas, pelo peso do autor, pelo peso da obra… É claro que essa mesma ousadia dá margem a acertos e equívocos. Nem tudo foi perfeito na minissérie global. Aqui e ali, a sucessão dos capítulos anunciados a cada um, dois minutos, davam às cenas um quê de cansativas. Mas, isso foi o de menos, na minha modesta opinião.
O respeito ao texto prevaleceu em meio aos malabarismos visuais. E é importante pontuar que eu nunca entendi malabarismo como algo pejorativo. Ao contrário. Malabarismos me cativam com freqüência justamente porque gosto de fixar meu olhar no vaivém de muitas coisas. Penso que é uma metáfora boa para vida – que, cada vez mais – exige que depositemos nossa atenção (e nos equilibremos) sobre acontecimentos múltiplos e simultâneos.
Em todas as críticas sobre a minissérie, a trilha sonora ganha parágrafos elogiosos e não poderia ser diferente. Sem dúvida, foi um trabalho espetacular do Tim Rescala. Mas também me chamou a atenção a capacidade inventiva de Carvalho que, sem recursos financeiros suficientes, teve de trabalhar com um cenário teatral – sem externas!!!!! –, fato que exigiu uma dinâmica e uma criatividade muito superiores às de outras minisséries exibidas pela emissora, seja na edição, na criação de figurinos e na confecção de todo o processo, em geral.
Achei fenomenal, por exemplo, o modo como a equipe resolveu certas imagens sugeridas no texto Machadiano, tal como a famosa cena do muro em que Capitu, na adolescência, escreve seu nome junto ao de Bento. Na minissérie, Carvalho simplesmente inseriu os dois atores deitados sobre um quadro-negro, com um giz na mão, sempre emaranhados em seus próprios cabelos cacheados… A câmera passenado por sobre os dois… Suspirei umas cem vezes vendo essa cena. Aliás, o modo como Carvalho explorou os cabelos dos protagonistas merece uma análise à parte. Mais lirismo e beleza, impossível…
Também achei fantástico o jeito como o diretor conduziu a cena em que vemos o afogamento de Escobar. Na ausência do mar, um cenário repleto de véus e plásticos azuis, serviu como pano de fundo à atuação majestosa do jovem Pierre Baitelli. Aliás, a maioria dos atores, desconhecidos do grande público, deram um show. Adorei a Capitu menina composta por Letícia Persiles. Muito mais intensa, encantadora, complexa e interessante do que à Capitu adulta de Maria Fernanda Cândido. Também fiquei positivamente assombrada com o Dom Casmurro criado por Michel Malamed. Gostei também do José Dias, de Antônio Karnevalle.
Penso que é maravilhoso qualquer esforço para evidenciar a literatura, o texto e as histórias de grandes autores. É um passo, um caminho, uma porta aberta para a obra. É óbvio que Carvalho é uma pessoa e Machado de Assis outra. Carvalho vive no século 21 e Machado passou grande parte de sua vida no XIX. Mas esse encontro fica ainda mais rico por conta dessas diferenças.
E que venham outras minisséries. E que venham novos diretores. E que Machado e tantos outros autores possam ter um diálogo (mínimo, que seja!) com o público da época que vivemos.
Abaixo, pra quem não viu (e também pra quem viu e quer rever)um vídeo lindo que dá idéia do que foi a minissérie.