Ainda sobre o tema cartas, presente no post anterior a este, hoje o jornal Folha de S. Paulo traz excelente matéria sobre a veia missivista do poeta Carlos Drummond de Andrade, que trocava cartas não só com amigos famosos, mas também com seus leitores, muitos deles professores, jornalistas e outros personagens anônimos do cotidiano nacional.
As informações apuradas pelo jornal dão conta de “(…)1.812 correspondentes de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) registrados no arquivo da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio”. O jornal vai além e lança, ao final da matéria, uma campanha para descobrir novas cartas de Drummond, possivelmente espalhadas por todo o País.
Dentre os trechos de cartas encontradas no arquivo da Fundação Casa de Rui Barbosa, e que o jornal destaca, meu preferido é o endereçado à professora Yola Azevedo, que não só acatou as sugestões presentes na carta que recebeu do poeta, como acabou ganhando o Prêmio Jabuti de escritora revelação, em 1984.
Aí vai:
INCENTIVADOR
Percebendo o bom texto da amiga, o poeta a estimulou a escrever.
Yola hesitou, mas acabou por mandar a ele os originais de um romance. Numa longa carta em 1982, após ler o primeiro capítulo, Drummond deu à amiga quase uma oficina literária por via postal.
São dicas como: “Dizer por exemplo que uma sucessão de mortes “é incrível”, está bem quando é a pessoa imaginária quem fala, mas para o escritor nada é incrível, inenarrável, assombroso”.
“Os adjetivos desse tipo são uma fuga à obrigação de definir o fato ou a sensação. Uma sucessão de mortes, brutal e imprevista que seja, pode ser contada também de maneira brusca e seca: “Perdeu o irmão num acidente, o pai de infarto, a mãe de trombose. Em três meses.” (Ou cinco, ou seis). (…) Já o leitor, vendo isso, tem o direito de dizer: “É incrível!'”.
Ou: “Acho bom, também, evitar expressões estereotipadas, como “divino milagre” (todo milagre é divino), “fazer das tripas coração” (…), que são lugares-comuns. Deixar de lado, igualmente, citações desnecessárias, como a do inferno de Dante, que se popularizou e é usada por todo mundo que nunca se aproximou da “Divina Comédia”. Citação é ótima quando totalmente inesperada”.
Yola acatou tudo. Lançou “A Reconquista” em 1984 e ganhou com ele o prêmio Jabuti de autor revelação.
A professora conserva em casa, organizadas em pastas, dezenas das cartas de Drummond, todas carregadas de afeto e gentileza. Mas nunca guardou o que escreveu para ele. A reportagem leu o trecho de uma carta dela a ele, pinçada no arquivo do Rio: “Mas nossos afetos deveriam ser eternos e, cada vez que me fala dessa dor no peito, a dor se desdobra aqui no meu peito, feito um arrancamento a frio”.
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