Eu devia ter uns 8 anos quando vi o homem alado pela primeira vez. Era um Ícaro loiro, de olhos azuis, musculoso e viril como um deus grego. Eu ainda não sabia o que era Grécia, mas quem se importa? O essencial era minha habilidade para identificar um deus quando via um, mesmo pela televisão.
Nunca mais esqueci a cena. E nem poderia, uma vez que o homem-pássaro, que atende pelo nome de Mikhail Baryshnikov, se tornou alvo de uma intensa paixonite platônica de infância que, diferentemente das demais (sim, eu tive várias), perdura até hoje. Ícaros, como todos sabem, são inacessíveis. E, talvez por isso, de nada adiantava o estilingue dos meus olhos atirar sobre ele sucessivos pedaços do meu coração.
Baryshnikov voava alto demais, completamente ignorante de meus suspiros e devaneios de menina. O passar do tempo, por sua vez, apenas intensificou o alcance de suas asas. Além de bailarino renomado, o homem-pássaro também se firmou como ator, estrela de campanhas publicitárias, celebridade. E então pude vê-lo amiúde: em revistas, filmes, programas de tevê, comerciais disso e daquilo. E era incrível observar o modo como ele pousava – e posava – ao lado de tantos mortais, que só serviam para ressaltar o brilho superior de sua plumagem.
E hoje e amanhã ele planará sobre os palcos de São Paulo, aos 62 anos, ainda lindíssimo – posto que deuses jamais envelhecem. Mas como o destino é, por vezes, um piadista sem graça, perdi o prazo para a compra de ingressos, disputadíssimos, como é comum aos espetáculos protagonizados por mitos.
Moral da história: meu Ícaro prossegue tão inacessível quanto o meu coração – hoje, particularmente, mais despedaçado do que nunca.